cardíaca




ser visível não é suficiente
ser sensível não é eficiente
é preciso ser audível
como falar para ter voz
o corpo era suficiente
bio-co-efi-ciente
você precisa confirmar a sua vida
reconhecer a vida em você
um sistema que verifica a vida
a diferença de registro
a diferença de um solo para outro
a diferença de uma digital para outra
que o banco insiste em pedir
para sacar algum dinheiro
como o corpo percorre essa trajetória
o que ele produz mesmo sem saber
caricaturas de uma vida
não dá para esquecer o que aconteceu
e porque tem gente que teve pais católicos

tempos depois você sofre
os outros assistem quietos
acham literal
acham ressentimento
heranças
algo que acontecia
líquidos amnióticos
chorumes
ninguém fala nada durante a cena
como eu posso me mover
como sair da narrativa?
qual é a minha necessidade de dizer
não existe não
esse comentário vira corpo
com um repertório que vem à tona
quanto mais fala mais tem que fazer
a fala cria demanda
todo mundo compra
todo mundo diz sim
só tem escuta se tem fala
eu quero entender as escolhas
eu entendo a escuta como escolha
escotilha da imaginação
vínculo
proposição
escuridões fecham janelas
impossível impedir a luz
impossível esconder o brilho
há quanto tempo estamos aqui resistindo


ser confundida funde funda o fundo
do outro em mim
da outra em mim
eu só queria beijar
aguentar as revelações
outras descobertas
como, quando e porquê
a cabeça está longe do discurso
o corpo virou moeda
o corpo coado em uma roupa
cheiro de café novo
o corpo é o atestado da barbárie
quantos verbos tem a violência
esse combustível
esse fóssil de vida
ecos imortais
ecos imorais
carne, sangue, aço
corpo de lã
a cabeça está coberta de discurso
e a sua presença é um teleprompter
que cada um lê a seu ritmo


impressões geriátricas
adoro danças mas tenho cãimbras
para quem é idoso da dor
a dora não elaborada nos aprisiona
encontros se acumulam
os temas são terríveis
mas os gestos
ah os gestos
os gestos parecem uma chuva de delírios
os gestos são a chave de reposição
de invenção de duração de interrogação de tradução de dimensão
de ressurreição
você cortou mais o cabelo
está mais emergente
e urgente em seu confronto
e em sua maneira de elaborar
elaborar a dor e o luto
porque quando a palavra aparece fica difícil
como o argumento vira proposição
costurando divergências e perspectivas
o que de fato aconteceu comigo?
tantas contradições
não tenho tanta certeza sobre o que está aqui
toda a disponibilidade para a dúvida
o diálogo habita o detalhe
enquanto a linguagem a convicção
a convenção
ou o código
códito interrogatório
que a presença só quer dilatar e acontecer
e contaminar em relações e conflitos
recortar vocabulários e gravidades
experimentar gostosuras e outras canções


corpos vedados
corpos vidrados
corpos vendidos
corpos vividos
o silêncio como vogal
o chão como ancestral
não improvise, por favor
qualquer procedimento é político
qualquer hipocrisia é polícia
qualquer dispositivo é necessário
pora produzir encontro
implicar fronteiras
desorganizar terminais
as estações são indícios
da cidade e suas dimensões
desenhar nos mapas
circular novas margens
experimentar as margens como corpo
e produzir perigo
dispersar idades e gerações
lógicas e ordens
agir em nome do precário e do provisório
vomitar o que o sistema absorveu
usar a pele como camuflagem de uma denúncia
e o cabelo como transição de mistura
onde começa onde termina
o gigante acordou e está de ressaca


tem um pouco de crueldade
meu corpo não tinha lugar
no olhar de quem vê
meu corpo desvela
corpo desnível
corpo desliza
corpo desterra
ressentido
corpos são sistemas relacionais abertos
corpos são ficções
corpos são bordas
são bardos
são burgos
são barros
são trouxas
são condições
ou a falta delas


ser mais uma ficção entre tantas
narrativas de lugares
papéis
procurações
precatórios
pré-datados
o corpo está em cheque
um vácuos de definições e contornos rotos
déficit de identidade
não há muito tempo
somente muitas referências
no Brasil a contradição come solta
prêmios subalternos difíceis de lidar
configuram enquadramentos
um furo
um tiro
uma facada
esvazia a tensão
fumaça de cigarro
fumaça de incêndio
o crânio que permanece
o atleta que adestra
a imagem que explica
o falso que produz
inovação cristã


a desnaturalização da paisagem
trava a intercessão de poder e martírio
qual é o problema de me ater à necessidade de querer dizer?
quando você propõe algo que me excede
que está além da rentabilidade
que está antes do depois
por onde entra a palavra
a luta é poder ter
a luta é ter poder
a luta é poder ser
que tipo de conquista é essa?


não me reconheço no tombamento
não me reconheço no monumento
não me reconheço no patrimônio
consumos eugênicos de valores puros
jantar coisas que a gente não vive junto
sou um perigo aqui dentro
sou um perigo lá fora
sou um perigo lá dentro
sou um perigo aqui fora
um incômodo revanche
eu posso roupas mas eu não quero
não está previsto esse tipo de cumplicidade
a imaginação de uma cena
fazer uma cena
descontrolar
o jogo desliza par auma revolução radical
de impulsos coreografados pelos acontecimentos
a gente não faz programa
a gente faz amor
o documentário é uma espécie de prisão
a composição de um livro de regras
um manual administrativo
estamos todos em perigo precisando de um herói
testemunhando a falência da programação
enquanto as cenas são editadas ao vivo

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