por uma performance queer da crítica

obsceno é o temer OU por uma performance queer da crítica*

por Ana Luisa Santos

a Soraya e a Lu me convidaram para estar aqui hoje e comentar como a crítica reverbera e afeta a minha experiência. Eu pedi para que vocês lessem e ouvissem esse texto em voz alta como quem faz uma curadoria de leitura. Chaves para expandir a percepção.

em tempos de censura moral-capitalística com vias de preparar o terro para as eleições de 2018 para amedrontar no mesmo mês que saiu a pauta artevismo na revista cult e na revista vogue a reação a essa repercussão foi uma estratégia de mobilizar pelo micro poder: a censura não é só contra a arte, é também procedimento de repercussão.

(como se a censura não acontecesse na vida)
a censura é contra a vida
vida censurada

como a crítica reverbera a minha experiência?
Não gosto de ler críticas antes de presenciar um trabalho nem texto de programa mal mal a sinopse geralmente eu leio depois
ou leio críticas de trabalhos que dificilmente vou ver em um espaço de tempo imaginado ou por uma impossibilidade geográfica, financeira ou logística de programação

a crítica é um trabalho de expansão
a partir do testemunho de um acontecimento ou de uma pergunta
como crítica desejo criar atenção para intensificar a importância da presença na realização da experiência com a obra
e também
articular essa ação de presença com outros acontecimentos e contextos
valorizar o procedimento artístico
engajar a experiência da audiência como atividade política
como crítica de arte de mundo de vida de linguagens de ideologias de estruturas de sistemas
exerço a crítica como uma experiência de alteridade

por isso sempre o desafio e o exercício (pouco sugerido, aliás, no geral):
como lidamos com a diferença?
a crítica é uma dimensão criativa de vida
a crítica questiona a vida e seus roteiros
e imagina versões diferentes de si mesma

em um contexto de injustiça social como o brasileiro, a experiência ético-estética é uma atitude de presença crítica
ou uma crise para perceber como estamos lidando com a presença (ou a falta dela)
e como a relação, o convívio, o diálogo dependem da presença

acredito que a crítica envolve a análise dos processos, dos procedimentos, das condições de trabalho, das situações de curadoria, circulação e compartilhamento dos trabalhos, das linguagens, dos orçamentos, das formas de viabilidade, financiamento ou ocupação
a crítica é uma crítica das origens, das perguntas, das durações, dos materiais, dos testemunhos dos acontecimentos

a análise crítica é uma entrega diante da experiência da obra e da vida

os textos são rascunhos do adensamento das sensações e atravessamentos e conversas e comentários que aconteceram na pele
são ensaios dessa transformação
e também tentativas de traduzir diversidades somáticas de modo a conseguir compartilhá-las com outras leituras, outras sensibilidades, próximas ou distantes

crítica é aquela que sente e escreve a partir do que percebe para gerar memória do que está na dimensão coletiva de produção simbólica

enfrento o terreno de batalha sensível que acomete a política dos afetos, dos valores e escolhas ético-estéticas
terreno sensível na batalha das percepções: como você sente? Como você deseja?
arqueologia dos valores capazes de sugerir relações, situações, arquiteturas, fósseis, trânsitos
fluxos de forças e de imagens que podem constituir ou destituir ideologias em torno do que é ou do que pode ser vida e de qual vida vale mais
a atitude crítica afeta a minha experiência de vida porque me propõe pensar
me propõe estranhar
me propôe a trabalhar no sentido da presença, da entrega, do compartilhamento, da atenção, da curadoria

perco o chão
esqueço o meu nome
preciso revisar tudo o que já vivi ou não vivi até então
às vezes preciso conversar
às vezes preciso ouvir
às vezes preciso viver o silêncio
às vezes simplesmente eu não entendo e tudo bem
a crítica não é quem entende

para terminar, sugiro Jurandir Freire Costa “criticar pontos de estrangulamento da cultura atual não é pedir que ideais cediços ressucitem, nem apontar o dedo para utopias salvadoras. É dar crédito ao novo início. É tentar mostrar, como disse Foucault, as heterotopias possíveis. É seguir a recomendação pragmática de Wittgenstein, William James, James Dewey ou Henri Bergson: onde houver uma contradição, faça uma redescrição! Mude a perspectiva de observação, troque as premissas dos raciocínios, explicite os acordos tácitos que fundam as conclusões consensuais e, por fim, submeta a sua opinião à dos outros. No mínimo, o que parece sem sentido ganha um novo sentido; no máximo, recuperamos o tônus da vontade de sentir, pensar e agir em liberdade.”

um abraço e muito obrigada

*por ocasião do DIÁLOGOS HORIZONTAIS – 5 anos do Horizonte da Cena, no Sesc Palladium, Belo Horizonte, em 26 de setembro de 2017

ANA LUISA SANTOS é performer , escritora e pesquisadora. Mestre em Comunicação Social/UFMG e Pós-Graduada em Arte da Performance/FAV, atua também como curadora em artes da presença na realização de exposições e residências artísticas, núcleos de pesquisa e criação, atividades de formação e política. Desenvolve trabalhos para teatro e dança, com destaque para dramaturgia e figurino. É idealizadora do PERFURA \ ATELIÊ DE PERFORMANCE e co-diretora da plataforma O QUE VOCÊ QUEER. Artista indicada ao Prêmio PIPA 2017. Vive e trabalha em São Paulo.

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