se toca
Escrevo como uma pessoa que percebe o corpo. Alguém que escreve a
partir do corpo e suas reverberações. Escrevo a partir da
experiência da arte da performance. Busco articular minha voz a
partir de todas as transformações que testemunho. Vivo o processo
de me tornar adulta em um contexto de golpe político no Brasil.
Escrevo a partir da percepção da mudança social que está em curso
no pais. Procuro minha voz entre tantas vozes que estão acontecendo
agora.
SE TOCA: devir manual lésbico é um desejo de toque, um
desejo de voz e de língua. É uma reflexão sobre como estamos
precisando nos tocar, em vários sentidos. Precisamos nos tocar no
sentido de ativar presenças em encontros e em pensamentos coletivos.
Se tocar é se ligar, é se abrir, é se atentar, é perceber. Se
tocar é exercitar a consciência corpo-pele. Se tocar é também se
masturbar.
O devir manual lésbico é uma proposta de pensar em como pode ser
uma dinâmica lésbica de vida. Devir no sentido de vir a ser. Manual
no sentido do toque, do corpo, do contato, do fazer. E lésbico como
uma convocatória para amar as mulheres em vários sentidos. Sim, o
mundo precisa ser lésbico. Há misoginia, violência contra
mulheres, há preconceito com relação à sexualidade feminina e
feminista, em todas as suas manifestações e desejos. Devir
manual lésbico é um convite para se tocar e perceber como todxs
podem cuidar mais das mulheres, do feminino, do feminismo no espaço
coletivo e na experiência singular de cada um na vida, no trabalho,
na linguagem. Um devir manual lésbico é uma potência de
regeneração e de degeneração, uma reinvidicação e uma
reinvenção, uma recusa e um ritualização de novas conquistas,
novas vozes e novas situações de convivência. Não há como
retroceder de onde conseguimos ouvir, de onde conseguimos enxergar.
Mas precisamos criar meios de reparação e outras vinganças. Um
devir manual lésbico é uma política do toque. Um devir
manual é a composição de gestos de transformação, de
abertura, de vulnerabilidade que o estado vir a ser provoca. Um
manual lésbico é uma proposta de abraçar com as mãos
outras possibilidades lésbicas de existir. Um devir lésbico
inclui a expansão das percepções sobre as sexualidades, sobre o
prazer, sobre o gozo, sobre as relações a partir do corpo e do
respeito singular pelo sentir e pelo dizer. Um devir lésbico é o
exercício pelo interesse genuíno de ouvir a outra que existe em
cada umx e em você. Para um devir lésbico é mesmo urgente uma ação
de sororidade e empatia com todxs interessados em um manual de vida.
A emergência do devir lésbico, em sua experiência manual,
pessoal-coletiva significa o reconhecimento da visibilidade das
sexualidades dissidentes da normatividade fundamentalista do cistema
(sistema cis) e sua capacidade de preparar as corpas para as mudanças
e transformações que já estão acontecendo. Há muita discordância
hoje. Mas há também uma coincidência de percepções que dizem
respeito a alguns aspectos móveis do tempo em que estamos vivas.
Essa sensação de acontecimento da vida, em sua resistência,
invenção e resiliência é o devir lésbico do mundo. SE TOCA é um
manual lésbico em devir para várias ações de tornar-se feminista.
SE TOCA, é preciso ser feminista. O feminismo é uma das chaves mais
interessantes de transformação social hoje. E ele não indica um
tipo de governo, liderança ou resultado. O devir feminista é
lésbico e manual. O devir é manual no sentido do corpo. Ele não é
falogocentrista. O gesto faz o devir em presença. É lésbico o
gesto inventivo de fazer com o corpo, de se entender a partir do
corpo, de valorizar o corpo e de fazer política a partir do corpo.
Se tocar é a consquista lésbica de auto-curadoria. Se tocar é
expandir a masturbação para e a partir do corpo todo. Se tocar é
pós-pornográfico porque não foca na genitália. SE TOCA é
pós-genitália, pós-geni, pós-genética. São os grandes lábios
que se tocam para gozar e para dizer o que todxs querem descobrir. SE
TOCA é gesto de afeto que afeta singular e coletivamente.
Exercito falos. Exercito falas. O devir lésbico é um exercício de
falos e do reconhecimento de falácias. O devir lésbico é a
incorporação do dildo contrassexual. É a prática não ficcional
de sexo lésbico em parcerias homo ou hetero afetivas como um gesto
recíproco de troca, de carinho, de desejo e tesão genuíno. O devir
lésbico ensina um novo tipo de tesão, um novo tipo de paquera. Não
seremos seduzidas por fraudes sexuais. Precisamos nos tocar de que as
ficções sexuais normativas não estão fazendo mais sentido.
Precisamos nos tocar do tempo do acontecimento das coisas. O devir
manual é isso também. Sexo lésbico é uma invenção porque
lésbicas nem mulheres são.
Escrever um livro agora é ler muito, ouvir muito, estudar muito e
revelar todas as posições provisórias de vida que fazem o dia a
dia ser mais gozozo. O devir manual é a estratégia do instante
agora. O manual lésbico é uma complexa e profunda revisão e
transformação histórica. Nada do que nos contaram anda fazendo
sentido. Nunca fez. Mas agora, no intenso agora, as histórias
parecem cada vez mais ridículas e imbelicilizantes. A descolonização
é um gesto de devir lésbico. É uma insurreição contra todas as
referências, tradições, resquícios de regras injustas e
corruptas. SE TOCA é CONTR(ADIÇÃO).
Devir manual lésbico de lubrificação das palavras nas frases e
frestas do corpo. Por que escrevo como escrevo assim escrevo como
performance. O manual é uma sinopse do devir lésbico da linguagem.
Pegar as palavras literalmente. Molhar hiatos. Abençoar as vogais de
Adriana Calcanhotto. Lamber as sílabas para não ser cínica.
Sinopses são devires de gestos manuais que performo. Escrevo por
contradições lésbicas. Aforismos manuais decoloniais de
deseducação anormal irrestrita.
Escrever um livro agora é inventar um relacionamento lésbico.
Conectar as ideias. Exercer dignidade na tristeza política que nos
assombra. Descobrir ferramentas na assimetria. Inventar manuais
práticos provisórios. Sinopses de vida. Quando estou realizando um
trabalho de performance atuo por condensação. Devir confluência.
Crio combos de sentido. Tilts semióticos. Bugs afetivos. Eu pego uma
palavra, um título ou uma expressão e sintetizo poeticamente em uma
situação sinopse. A vibração do som do sentido no meu corpo
provoca uma duração que é imagem em devir. A energia ressoa de
forma manual. Pele pergaminho escrita a contrapêlo arrepio.
Performances são teologias encarnacionais de corpos incertos de suas
fronteiras. É um ato de divórcio do consumo. Devir manual de
depressão política e luto.
Devir manual lésbico com seus pêlos inteligentes e intensos
textículos, é um devir dessas vozes perigosas que escutamos nos
saraus, nos slams, nas manifestações, nas marchas, nas ruas e em
tantas outras cenas, tantos outros tipos de cenas políticas. O que a
cena mobiliza, o que a performance provoca é devir manual lésbico.
Não ser objeto de sua própria natureza ou narrativa. Voz manual de
devir lésbico que recusa personagens e outras coadjuvâncias. A
responsabilidade lésbica é um manual de devir desabafo quase
diário. Um livro livre como descobri.
Eu não sou loser, eu sou lúcida. Não ando por aí jogando moedas
em espelhos como num ritual de fazer pedidos. O que me seduz reluz
até na sombra não-ficcional da imagem. Eu quero o tempo de
acontecimento das coisas. Devir manual lésbico.
Feliz por esse projeto e essa leitura, me representa e instiga. já fiquei viajando num projeto gráfico para esse texto. :)
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